Bette Davis Eyes


Na semiologia das artes quantos signos significantes e significados intercalados: arte nasce da arte e o rock se presta a ser porta voz no palco de todas paixões. Já curtimos o ritmo por si, imaginem quando revela cores, sensações e erotismo de outras expressões? Aquela voz seca , quase desesperada de Kim Carnes representa melhor veículo para ambiente dos anos 1930, 1940 dos grandes dramas e do filme noir. O tema? Um signo carregado de significados: o semblante poderoso de Bette Davis, seus esgares, sua força de representação e talento ímpar como vilã que todos amamos em Jezebel, A Malvada ou Baby Jane.

Detalhe: em A Malvada ela era vítima de Anne Baxter, mesmo assim carregava nas tintas como mulher poderosa. A ficha técnica de Bette Davis todos podem pesquisar nos Google da vida, mas o impacto da canção gravada que explodiu mundialmente em 1980 só nós que lá estávamos adolescentes podemos dimensionar. Ah os anos 1980 que mal começavam! Quanto glamour em Boy George, Rod Stewart bombando e Madonna surgindo…

Naquela virada de década, aliás, a primeira virada de década que alguém nascido em 1965 presenciava com sua lembrança intacta, outro monumento do rock vinha a luz: The Wall do Pink Floyd. Diante desse álbum inigualável a presença onipresente de Kim Carnes prova quanto o pop tem poder de se eternizar em nossa memória tanto quanto um clássico cult de maior peso.

A literatura consome prazerosamente todo meu tempo, acompanho menos que gostaria as novas bandas, portanto é na memória que busco fonte do grande rock. Aquele verão brasileiro trazia esse surgimento duplo em tempos sem DVD, internet e fones de ouvido incipientes, – inevitável que a grande vitrine de novidades estrangeiras fosse programas como o Fantástico.

Clipes eram quase curtas metragens pesados e com tramas carameladas, mas as imagens que acompanham Bette Davis Eyes são aquele rosto que marcou tanto o século 20: uma mulher implacavelmente penetrante e hipnotizador. Algo naif naquela pecinha onde uma esquálida Carnes comanda a coreografia meio brega de bofetadas esfumaçadas bem no estilo das deliciosas megeras de Bette Davis especialmente em Pérfida cabe ressaltar.


A mulher fatal dava espaço a mulher empoderada: anos pós feminismo e as mulheres tomavam o comando. Na Grã-Bretanha uma megera real fazia juz ao conceito de malvada: era ascensão de Margaret Thatcher. Um hit inesquecível vos digo que fez uma meninada ensolarada vibrar e curtir uma diva dos tempos de nossos avós. Sobre o purismo de ser ou não rock ou mais um produto pop, isso não importa diante da visceral pegada vocal e da presença de cena de Kim Carnes. A octogenária atriz gostou e vibrou com sua imortalidade antecipada.

[Flávio Viegas Amoreira]
Escritor e jornalista
flavioamoreira@uol.com.br

Por Flávio Viegas Amoreira do Poesia e Rock
Postado em Blog n' Roll

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